quarta-feira, outubro 10

Liberdade domiciliar.



E a liberdade acaba por se tornar uma prisão, preenchendo todo o vazio do meu mundo de palavras, dúvidas e questionamentos. Fico aqui, mirando o portal daquele dito mundo que diz me acolher, como uma mãe toma sua cria pelos braços. As cores se perdem, os sons. De pé fico, aqui, esperando um motivo, uma necessidade, para que eu possa passar por esta porta invisível e conquistar todo este universo que fada uma liberdade, mas que, na verdade, me prende de maneira intransigente.
E quando o relógio gira, fazendo com que meu tenho se acabe e que me permita sair de minha prisão livre, eu olho para o portal e me pergunto se alguém vai entrar, mesmo assim. Não sei se alguém virá me buscar, me abraçar e dizer – com o silêncio da emoção – as coisas que necessito ouvir para o bem de meu ego. Certas vezes, admito, crio uma imagem do meu passado, materializando-se em fumaça sobre minha mente, em minha frente, repentinamente. São casos, ocasionais. Na verdade, o que passou pela minha história teve sua importância em seu tempo e serviu de aprendizado para o amadurecimento emocional. O que desejo, verdadeiramente, é uma figura ainda sem rosto, sem digitais. Desejo uma alma que só poderei ver quando a mesma aparecer. Ou então eu corro, pois meu tempo já se extinguiu.
Perambulo por entre os carros, dentro dos túneis da minha visão turva, esperando não ter pressa para chegar ao único lugar em que eu realmente me sinto livre. Minha prisão nada mais tem do que uma janela com grades, uma cortina vermelha e uma escrivaninha. Sobre a mesa, um caderno, um lápis, restos de cervejas e palitos de fósforos. Não há luz mais forte do que a da vela, não há cheiro além o do que o incenso emana. Não há vida em minha prisão. Contudo, impressionantemente, há liberdade. Pois, no fim, com um papel e caneta eu consigo fazer e dizer coisas que eu não conseguiria em minha liberdade no mundo, dito, libertino.  Desleixam-se de mim para aproveitar meus momentos livres dentro de minhas palavras, para que possam ver a produção de mais um milagre.
E assim vivo, nos avessos do mundo. Sempre esperando àquela que, um dia, chamarei de inspiração. Aguardando para lhe entregar todas as cartas que eu escrevo, cuja destinatária existe, mas ainda não tem nome e tampouco endereço.


Pense o que você quiser. (Y)

segunda-feira, setembro 10

Diferenças.

Talvez nós não sejamos tão diferentes assim, como outrora pensei.
E ela veio, doce e súbita, como uma abelha, dançando e se preparando para dar um beijo na flor e dela consumir todo o néctar. Talvez estes beijos sejam carregados, além da matéria prima do mel, de uma utopia delicada. Talvez seja própria utopia, de fato, que devesse se personificar e descrever o longo e duradouro trabalho de tudo o que vive. Quente como o sol, natureza. O que os rios de águas correntes refrescam e movem os moinhos, como palavras são sopradas pelo vento e, mais do que ouvidas – ou lidas – são sentidas na pele, fazendo os pelos da nuca se arrepiarem, como se arrepiariam se lábios a tocasse.
A subtração de dois corpos em um, de duas mentes em um ideal, quem sabe. Talvez não sejamos tão distintos assim. Agora acredito no que sei.
Uma fração. É o tempo em que a opinião se distorce, muda de lado, “vira a casaca”. O que na aurora eram duas peças distintas e distantes deste grande quebra-cabeças chamado “uni(co)verso”, já ao sol do meio-dia passam a se modelar e a perceber que há vários encaixes em cada uma das arestas de nossas personalidades e atitudes. Tendo, logo, algum ponto em comum, mesmo que seja um único, pequeno e pouco visível. Peças, em momentos, que se encaixam com uma invejável maestria.
Somos diferentes, sim, pois somos homem e mulher. Somos sonhos e virtudes divergentes. Somos pontos errantes. E o que eu achava que era a íntegra distorção dos fatos, passo a assimilar como “única divergência”, sem mais nem menos. Descobri – não só descobri como, também, pude ver – Que você viaja e eu também.
Você conhece novos lugares, respira novos ares. Pisa na terra árida, toma para si o mar, a cachoeira. Desbrava os asfaltos, as planícies, os planaltos. Sente sensações novas, vê o verde da grama, das florestas. Faz com que se incorporem os deuses antigos dentro de si. Usa a fita no braço e deixa as mexas de ondas de cabelos castanhos dançarem com o vento, assim como a abelha dança, em seu ritual de carinho e destino. Dias e noites. Crepúsculos e alvoradas. Céu turquesa – com algodão branco­ – ou marinho, salpicado de pequenos e infinitos pontos brancos, formando desenhos no céu.
E eu te digo. Também sou assim, apesar de não aparentar. Também visito mares e terras distantes. Também sou capaz de sentir o cheiro do mar, da natureza. Fecho os olhos e sinto o mesmo vento que você, mesmo que não no mesmo lugar. Sento na pedra e assisto ao pôr-do-sol, transformando o céu em um fenômeno ímpar. Também sei fazer sorrisos virarem aventuras inigualáveis. Mesmo que, em meus olhos “racionais”, o que vejo acabam por ser tinta de caneta, papel, luz acesa, cortinas fechadas e plantas sobre uma escrivaninha de vidro. Tudo esperando a hora de repousar e fazer com que eu descanse.
Olho para o meu mundo e vejo palavras, em preto e branco. Você olha para o seu e vê ações, em todas as cores que o mundo pode fazê-la enxergar. Talvez não sejamos tão diferentes. Talvez sejamos lados opostos de um mesmo significado, sendo o meu abstrato e o seu concreto. Sendo tudo real. E, quando vejo que minha vida não passa da ânsia de ser uma cópia do seu espírito, percebo que já sou uma pequena parte dele. Zombas de mim e diz que o viver é passageiro e que a vida não foi feita para outra finalidade que não seja ser vivida e aproveitada ininterruptamente, de todos os lados e formas. Não, repito, não somos tão diferentes assim. Somos o casal, uma moeda.
Como sabemos, toda moeda tem duas faces. Nestas, as faces são a “eu” e a “você”.


Pense o que você quiser. (Y)

sexta-feira, agosto 3

Brincadeira da inspiração.

As pernas se movimentam. A tentativa é de se chegar há algum lugar o mais depressa possível. Viris, caminham pesadas e em sentido linear. O relógio sempre gira mais depressa quando precisamos de mais tempo. As mãos entrelaçam-se, inquietas. Batem nas pernas como um cavaleiro espora sua montaria, na esperança de acelerar o passo mais e mais, esperando o momento em que deverão ser utilizadas para trabalho árduo e duradouro, com caderno, caneta ou maquina de escrever. A mente pensa. Passam-se milhares de milhões de coisas. Imagens, lembranças, palavras, frases prontas, canções. Um baú com quantidade ilimitada de informações, desejando que tudo se compacte e vire poucas palavras. Mas nem sempre o corpo chega a tempo de expor suas ideias e anseios, fazendo com que todo este tesouro mental fuja da memória como fumaça.
E aqui estou eu. Mãos vermelhas, pernas doloridas e mente vazia. Tentando encontrar uma forma de me expor e de esvaziar todo o meu recipiente interior. Tentando, inutilmente, encaixar as palavras, buscar ares novos, conclusões para minha vida indescritivelmente sensacionalista, como a de todo e qualquer poeta. Entretanto, estou sozinho. Meu esforço para chegar o mais depressa possível perto de qualquer utensilio que me ajudasse fez com que eu deixasse minha inspiração para trás. E ontem, vesti a calça após acordar, olhando para a parte de mim que deixei sob os lençóis, presa e adormecida.
Por mais que eu tente, por mais que eu busque, a inspiração é uma paixão platônica. Não se deixa tocar quando não pretende, não se mostra quando mais precisamos dela. Não nos permite que olhemos em seus olhos, buscando a verdade inflexível e singular. Uma serpente, que nos domina, nos envenena, fazendo de nós uma presa fácil. Um anjo, que nos trás brilho e conforto, quando assim pretende ser. E toda a pessoa que assina este documento, torna-se escravo desta maldição benéfica. Enxergar a si próprio, através de palavras, sempre que a inspiração chega para te auxiliar, pois já descobri que sozinho não consigo escrever, não sou capaz de me enxergar ou de me conhecer mais profundamente.
E eu rezo, ouço as canções que ela gosta, imploro internamente para que ela venha logo e que faça um sentido na minha vida neste e em todo momento. Sinto meu coração bater forte, frágil, ferido, dentro da caixa de aço, ansiando por questionamentos, por palavras corretas e por desafios novos. Querendo aprender mais uma palavra nova, mais um sentimento novo, mais um sentido novo, mais um pouco de tudo de novo. Necessitando de versatilidade, de impulsão, de respostas. Eu sei que eu guardo tudo isso dentro deste meu recipiente delgado e lesado pelas quedas sucessivas do sofá, mas a inspiração brinca comigo e insiste em mudar as coisas de lugar. Faz com que eu me sinta um visitante dentro de meu próprio corpo.
Se ela não vem, contudo, não reclamo. Levanto-me da mesa, arrumo minhas malas e saio de casa. Sempre pensando em coisas que fazem sentido em minha vida, faço a minha rotina diária. E sentado na praça em que diariamente sento para trocar figurinhas com os meus pensamentos, os olhos se abrem e repara que a praça é triangular, mesma figura geométrica que já me foi uma fonte de inspiração. A esfera é vermelha, o cubo é amarelo. A pirâmide, contudo, é azul. Uma pena. Mas nada nesse mundo haverá de ser perfeito. Há coisas que podemos fazer para melhorar. O verde também está presente, sentado, dentro do triângulo. Agora tudo faz sentido. A inspiração está de volta. Mas eu não estou em casa. Como farei para escrever?
Sou precavido. Trouxe o meu Moleskine desta vez.



Pense o que você quiser. (Y)


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