Já não importam os caminhos que escolhemos, quais estradas procuramos seguir e quais obstáculos queremos ultrapassar. O carro que leva mais do que simples histórias, leva para longe um sentimento e um coração que cisma em não querer parar de bater. Vejo quem me ensinou a enxergar a paz em uma canção, em um beijo no sapo mágico, explodindo a própria cabeça com uma arma cujo calibre é a embriaguez. Os quinze minutos de fama viram quinze dias de feridas e quinze anos de ausência. Dia após dia, a dor diminui e a saudade aumenta como a gasolina, a quilometragem.
Sigo no volante, sem controle. Cem quilômetros por hora, sentindo o vento balançar meus cabelos. Apenas olhando para o sol, rubro e soberano no horizonte. Outro dia nasce e eu sigo vazio, com o tanque cheio. Sigo cheio, farto de tanta sobra que há dentro da oficina do Diabo. Preso neste inferno que se chama passado. Em marcha ré, na contra mão. Queimando pneu no barro, no asfalto, na subida e na ladeira. Um oásis. Refresco a alma em um banho milagroso nas águas da oportunidade. Procuro meu foco em tons de azul. Cristalino, turquesa, opala. É preciso voltar para a estrada, sabendo para onde quer chegar. Escolhendo a estrada em que haverá um alguém de malas prontas e esperando para estender o dedo e pedir para que a leve para qualquer lugar que eu deseje ir. Aventurando-se ao sair de casa e parar na beira na estrada, esperando bater no meu peito e fazer, por ela, meu coração parar.
Hora de partir. O banho nessas águas me fez piscar. E fechando e abrindo meus olhos tristes e cansados percebo que mesmo sendo por uma fração de segundo, muita coisa deixei naquele oásis. Perdi a chave do carro, a chave da porta. Deixei de sentir um pouco mais de brisa, deixei de ver o último raio de sol no céu. Vejo a estrada obscurecida pelos meus receios, assombrada pelos meus fantasmas.
Não vejo mais aquela mão estendida, as malas prontas. Talvez tenha entrado em outro carro, mais novo, mais bonito e mais potente. Talvez eu tenha passado em alta velocidade e não tenha a percebido. Talvez eu tenha piscado justamente na hora em que ela se foi. Ela não está mais lá. Agora, à noite, não tenho farol, não tenho mapa e não tenho bússola. Só sei ir adiante porque é pra onde a minha estrada leva. Rezando e esperando mais um dia nascer, mais a estrada se iluminar, mais uma mão estendida na beira da estrada eu encontrar.
Pense o que você quiser. (Y)