E a liberdade acaba por se tornar uma prisão, preenchendo todo o vazio
do meu mundo de palavras, dúvidas e questionamentos. Fico aqui, mirando o
portal daquele dito mundo que diz me acolher, como uma mãe toma sua cria pelos
braços. As cores se perdem, os sons. De pé fico, aqui, esperando um motivo, uma
necessidade, para que eu possa passar por esta porta invisível e conquistar
todo este universo que fada uma liberdade, mas que, na verdade, me prende de
maneira intransigente.
E quando o relógio gira, fazendo com que meu tenho se acabe e que me
permita sair de minha prisão livre, eu olho para o portal e me pergunto se alguém
vai entrar, mesmo assim. Não sei se alguém virá me buscar, me abraçar e dizer –
com o silêncio da emoção – as coisas que necessito ouvir para o bem de meu ego.
Certas vezes, admito, crio uma imagem do meu passado, materializando-se em
fumaça sobre minha mente, em minha frente, repentinamente. São casos,
ocasionais. Na verdade, o que passou pela minha história teve sua importância
em seu tempo e serviu de aprendizado para o amadurecimento emocional. O que
desejo, verdadeiramente, é uma figura ainda sem rosto, sem digitais. Desejo uma
alma que só poderei ver quando a mesma aparecer. Ou então eu corro, pois meu
tempo já se extinguiu.
Perambulo por entre os carros, dentro dos túneis da minha visão turva,
esperando não ter pressa para chegar ao único lugar em que eu realmente me
sinto livre. Minha prisão nada mais tem do que uma janela com grades, uma
cortina vermelha e uma escrivaninha. Sobre a mesa, um caderno, um lápis, restos
de cervejas e palitos de fósforos. Não há luz mais forte do que a da vela, não
há cheiro além o do que o incenso emana. Não há vida em minha prisão. Contudo,
impressionantemente, há liberdade. Pois, no fim, com um papel e caneta eu
consigo fazer e dizer coisas que eu não conseguiria em minha liberdade no
mundo, dito, libertino. Desleixam-se de
mim para aproveitar meus momentos livres dentro de minhas palavras, para que
possam ver a produção de mais um milagre.
E assim vivo, nos avessos do mundo. Sempre
esperando àquela que, um dia, chamarei de inspiração. Aguardando para lhe
entregar todas as cartas que eu escrevo, cuja destinatária existe, mas ainda
não tem nome e tampouco endereço. Pense o que você quiser. (Y)