quinta-feira, junho 28

Perder e ganhar.


E chega uma hora em que nós temos que perder.
É comum de todo o ser humano não querer deixar de ter. Eu tenho, tinha a sensação do mundo inteiro em minhas mãos, o controle de tudo. Corpo, pensamentos, alma, sentimentos, prazer, desejo. Uma única noite em claro para descobrir que não há mais como destrinchar e distinguir o que é o que. Acaba por ser tudo batido no liquidificador e por se tornar uma única coisa. Algo pequeno, simples. Coisa esta que pode ser escrita, usando apenas quatro letras.
E no tabuleiro montado na cama, sob cobertores, a movimentação de peças outrora infalível, hoje não combina com o jogo. A adversária joga melhor, começa a desvendar as falhas em minha estratégia e perceber que há chances de vencer. Eu, inutilmente, paro, resisto, digo para esperarmos mais. Em vão. Chega uma hora em que nós temos que perder.
E este dia chegou. Não fora a primeira vez, tampouco será a última. Tabus e invencibilidades são impostos para serem dobrados. No meio deste gozo de vida intenso e vazio, acabei por me redescobrir. Há muito eu não perco, pois há muito não sabia o que era me entregar. Há muito não conseguia fechar os olhos, ser abraçado e simplesmente esquecer de que o sol vai nascer no céu e, quando isso acontecer, tudo voltará ao normal. Há muito não conseguia fechar a cara, mas admitir que, mais do que perdido, estou rendido.
O vazio maior é a sensação de que não joguei um bom jogo. No fundo, eu sei que desempenhei o meu papel e simplesmente perdi, como muito acontece com os verdadeiros e maiores campeões. O morador do quarto ao lado sempre me disse que “o melhor nem sempre é aquele que vence.” Um alento, conforto, talvez. Sensações diferentes têm tomado o meu corpo. Talvez tenha sido a hora, somente para não continuar soberbo e cheio de si. Continuar não sendo o que vejo nesse meu espelho de fundo branco e tinta preta. Estreito os meus olhos diante do caminho estreito por igual, para me adequar à realidade.
Não é novidade para ninguém que o meu maior prazer é vencer. Mas quer saber? Hoje eu não me importei. Tenho uma mão cheia de desculpas, de respostar e de justificativas. Não preciso usá-las. O melhor, realmente, nem sempre vence. Competir, praticar, já é um privilégio singular e raro. Perder ou ganhar, por hora, acaba por ser uma analogia pequena ao suco batido no liquidificador, contendo corpos, pensamentos, almas, sentimento, prazeres e desejos. Tudo no plural, porção para duas pessoas. No cardápio, na tela de um telefone celular, uma única palavra, denominando o sabor. Quatro letras.
Amor.


Pense o que você quiser. (Y)

quarta-feira, junho 20

Vontade.

O cigarro que outrora apagara, agora precisa ser reacendido. Soltará a densa e enigmática fumaça no quarto escuro, criando formas aleatórias, mas que fazem todo o sentido.  E tudo haverá de fazer sentido.
Não que no passado eu declinasse a idéia de tragá-lo. O que não conseguia aceitar era a idéia de ser dependente daquele vício que me consumiria, me causaria malefícios irreversíveis. E de que adiantou não experimentar? De que valeu o aprendizado de olhar, admirar, querer e, ainda assim, temer tocar, temer senti-lo dentro de meus pulmões e mente, preenchendo-me e saciando todos os meus mais profundos desejos?
Perguntas. Dúvidas corriqueiras que precedem toda e qualquer escolha feita em toda e qualquer vida de todo e qualquer ser humano. Se os olhos fecham-se para a fumaça, o perfume doce, do que passa a ser pescoço na imaginação, toma conta das narinas. E se a boca abre para exclamar algo, um beijo de saliva – e fumaça – toca suavemente os lábios pedintes. E aí a alma clama por ajuda, orientação, querendo saber o que fazer para evitar cair neste precipício que parece tão impressionantemente prazeroso.
O coração bate acelerado a cada fósforo riscado, mas sua chama apaga-se com as lágrimas que escorrem.  O passado assombra como um vulto seguindo-nos pela escuridão, como um assaltante. Bate insistentemente, quebra o peito com as vibrações agudas. A vontade de se entregar é imensa. Mas eu sei que após dado o primeiro trago eu não conseguirei parar, pois o meio termo não existe neste quarto escuro, vazio e solitário. Um corpo precisando, relutante, de uma companhia e há fumaça, há fogo e há prazer, apesar de haver os erros passados.
Eu não sei gostar sem amar. Não sei querer sem estar perto. Não sei brincar. O que sinto é real, sério, minuciosamente estudado. Contudo, após o primeiro passo, não consigo mais controlar. Sou tomado, envolto, por esta fumaça chamada sentimentos, de todas as formas, tipos, tamanhos, cores e densidades diferentes, mas que ainda são fumaça, que ainda são uma parte do outro em mim. E o que trago não é mais do que uma caixa de fósforos e uma vontade contida de ascender neste sentimento, acendendo o amor e fazendo fumaça. Tragando você.
As palavras surgem, são presas na cabeça, relaxam a mente. Entretanto, chega um determinado momento em que elas precisam ser soltas, assim como o amor, assim como a fumaça e como o presente e todas as aventuras anteriores têm algo em comum: Um cigarro e a vontade de ver se dissipando mais fumaça e exalar mais para que ela nunca deixe de existir. Até que meus órgãos falhem e o amor acabe.
Mas enquanto seguro-o – seguro-a – em minhas mãos, eu pergunto-me, sempre, se isto é mesmo tão ruim e se realmente um dia terá fim.



Pense o que você quiser. (Y)

sexta-feira, junho 15

Oasis

Eu não vivo nesta realidade. Meu mundo é outro, longe, livre. O destino, curioso e fugaz, fez de mim seu instrumento de teste, logo. Enviou-me para o chamado ômega. O fim, o início e o que está entre os dois polos. Eu, que não vivo nem morro nesta realidade, pois meu mundo é outro.
Conecto-me hoje, pois o tempo foi generoso. Agora eu sou livre em minha máquina de escrever virtual, podendo ser quem eu quiser, como quiser. E não me importo se agora meus olhos lacrimejam de sono. Escrever é minha droga, meu sustento, minha vida. Faça chuva ou sol lá fora, aqui dentro eu me sinto bem, seguro. Neste mundo o clima é sempre agradável, os dias são sempre mais longos e ensolarados. E mesmo quando eu quero que chova, as gotas são grossas e macias. A cama - o sofá - daqui é mais aconchegante e do exato tamanho do meu corpo imenso. Sou Aquiles, Giordano Bruno. Também posso ser Thomas, Jon Snow, Riobaldo, Chicó, Wood, Gandalf, Estácio ou até mesmo Verde. Posso ser a árvore que fica estática, perplexa, ao ver o sol surgir por entre as nuvens, após a chuva morna. Posso ser o mudo pensante, em preto e branco. Brando, posso ser uma página, uma palavra sequer.
Sou vertentes, arestas. Sou um conjunto complexo, côncavo, convexo. Metade hipérbole, outra hipotenusa. Sou catetos pitagóricos, gêmeos, unilaterais. Pluricelular, sou um sistema calmo, tranquilo e sereno. Estou sob efeito de droga, da minha predileta. "a", "b", "c", "d" e todo o resto, ordenados por significados oriundos do latim, em grande maioria. Desde um pequeno "sim", até ao "paralelepípedo" perpendicular ao solo. O sentido sou eu quem faço. Disfarço em ser a mão que cumpre ordens e promessas. A mão que desliza no sentido oposto, inverso, no avesso da roupa. E consigo fingir ser utopia o que é realidade romântica. Mesmo no mundo real, eu posso fechar os olhos e imaginar o meu mundo de palavras-cruzadas e paralelas.
Um paralelogramo, um grama. Um estudo, estado, assistido e assinado. Um deserto contendo um cubo, um cavalo, uma escada e uma tempestade. Água. Este é o meu oásis. Eu não o criei, mas ajudei-o a ser modificado, como um átomo, um microchip. Não gosto de dizer que em meu mundo eu posso ser uma espécie de Deus, apesar de também poder ser herege. Prefiro dizer que Deus é meu pai - e é mentira? Sou metamorfose, transfiguração. Espaço, tempo, letra, número, grau, gênero, espécie. Estereótipo, longínquo e duradouro ou não. Posso ser simples, simplesmente insignificante, quando pretendo observar.
Pode ter certeza que eu sou você. Exatamente como você é no seu próprio universo, no seu próprio oásis.
Sessão encerrada. Sua conta está sendo desativada. Bem vindo ao mundo real e...


... Pense o que você quiser. (Y)


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