quinta-feira, novembro 10

Jogo da vida.

Cabeça baixa, olhos atentos às cartas na mão. Não há nenhuma idéia mirabolante desta vez. O cigarro preso à boca queima sem um trago sequer. A garrava do wisky de vinte e tantos anos está seca. É preciso que esta mão seja ganha, pois a última e a penúltima foram perdidas. Com a derrota, perdeu-se um pouco das suas atividades diárias. Agora está tempocioso, contudo, com mais tempo em pensar no seu próximo movimento. Os adversarios são implacáveis. O Destino é um blefador nato e o futuro é imprevisível, fazendo jogadas surpreendentes quando se menos espera. Tenho como parceiro, entretanto, a doce e experiente Esperança, que já me ajudou a virar este jogo quando eu estava passando por maus bocados. É o jogo da vida e a minha vida está em jogo.
O chapéu de bohemio cobre a cabeça pensante, que pensa, pensa e raciocina. Não se deve olhar nos olhos do Futuro e tão pouco acreditar no olhar do destino. Compra-se uma carta da pilha e de lá sai um belo e maravilhoso coringa. Uma idéia nova surge à mente. Uma capacidade de mudança, de aprendizado e de fortuna. De tantos e tantos jogos que aposto, este não é o meu predileto, mas o mais importante. Lembro-me dos tempos em que o Fururo me parecia previsível e o Destino insignificante. Até a Esperança rendia-se às minhas mãos e admitia que não era ela a pegar sempre o último morto. Canastras e mais canastras na mesa, pilhas de fichas junto à mim.
Entretanto, como todo jogo, há dias em que a sorte não está do nosso lado e que os adversários levam vantagem. Logo, é preciso pensar com essa pensante cabeça escondida no chapéu. Deixar que queime a chama do cigarro da Esperança, que beba do copo da Sabedoria, parceira de tantas e tantas partidas. Pois tenho em mim todas as coisas boas do mundo. Tenho em mim um pouco do melhor de cada jogador. A astúcia, inteligencia, imaginação, força. Ainda estou vivo, correto? O jogo ainda não acabou para mim.
O coringa, num gesto de loucura, descartei para o adversário. Minha mão é melhor. Confio no que eu consegui reunir durante todos estes anos. Na vida temos que abrir mão de uma peça individual às vezes. Perder também faz parte deste jogo. O mais importante é sempre saber quando se está perdendo e onde, em que momento, você deixou os adversários virarem o jogo. Não há estratégia melhor do que se conhecer bem, pois no jogo da vida você é sempre seu pior inimigo. Consequências de adversidades partem sempre de nossos próprios atos.
Minha mão está fraca, perante a dos outros jogadores. Estou nesse buraco que agora que parece não ter fim, tendo que dar o que eu tenho de melhor para os outros sem receber nada em troca. É ingrato, ás vezes, este jogo. Mas tenho que jogar, preciso jogar. Preciso viver. Levantar da mesa agora é o mesmo que apunhalar meu próprio peito e adormecer eternamente. MInha parceira Esperança pode ter uma boa jogada à qualquer momento. Eu sei o que estava errado, agora vejo. Vejo que os erros que nós cometemos causam vergonha e o orgulho faz com que nos sintamos derrotados. Esta partida está acabando, não se pode fraquejar. Escondo meus olhos marejados e olho fixamente para minhas duas únicas cartas na mão. Falta somente um encaixe para tudo dar certo e eu limpar a minha barra, a minha canastra.
Das cinzas, surge a Ave Sagrada. Da escuridão, surge o sol radiante.
Do fracasso, surgirá um vencedor.




Pense o que você quiser. (Y)

1 comentários:

Anônimo disse...

Perfect


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