terça-feira, março 6

Cíclico.

Meus olhos não vêem aquilo que deveria.
O que antes era uma perfeita forma, um perfeito encaixe, hoje se encontra como as pedras daquela praia onde todas as dores são curadas. Deformadas, reformadas, lisas, sem contornos. Tanto bate até que molda, até que afunda. E as pequenas represas formadas, quando se enchem, choram lentamente. O salgado do mar e o doce da chuva. O salgado das lágrimas e o doce do passado. Nessa confusão, o que sobra em meu paladar é sempre o amargo, apesar de tudo.
Aqui o tempo não importa. A maré sobe, desce, sobe. A areia seca, molha, seca novamente. Dia, noite, dia. Lua cheia, míngua, some, cresce. Enche minha represa de luz, meu pulmão de ar. Hoje eu estou sozinho aqui. Posso gritar para qualquer ninguém ouvir. Posso cantar, gargalhar, pular, correr. Posso fazer tudo, pois estou só nessa imensidão iluminada apenas pela lua que preenche o meu vazio. Posso contar as estrelas. Posso dar-lhe nomes. Elas estão e estarão sempre comigo. Aquela lá – olhe para aquela lá no céu, bem iluminada, à esquerda – ela me disse que estaria para sempre me guiando.
Estrelas mentem.
 “Nem todos os dias a lua aparece. Haverão dias nublados e chuvosos também. E, se em um dia desses a pessoa estiver triste e olhar pro seu céu, vai encontrar, no mínimo, uma estrela. E vai se apegar a ela. Nas noites seguintes, com o céu limpo e estrelado, verá milhares de estrelas, e como é muito difícil distinguir umas das outras, vai ver a sua estrela em qualquer uma que aparecer, esquecendo-se da lua. Eu estaria multiplicado por uma infinidade, quando não aparecem mais de uma lua. Seria como se eu estivesse em todo o céu. Pra onde a pessoa olhasse, pra qualquer estrela que ela quisesse observar, iria pensar em mim.”
Meus olhos não vêem quem deveria.
Nunca saberei quem é. Nunca saberei qual estrela realmente preencherá meu imenso céu interior. Elas se multiplicam, me enganam. Tudo o que preciso é um sol. Um som de água batendo na pedra. Deformando-a, fazendo com que ela torne-se lisa, sem forma, sem vida. O tempo passa e a represa aumenta e a chuva faz lavar tudo o que não tem vida.
Deixa nascer, na fonte, doce e pura. Deixa se deixar levar pela gravidade, montanha abaixo, transformando o que era riacho em cachoeira. Deixa correr livre e deixa em queda livre. Deixa virar rio e desaguar. Deixa salgar o doce do rio com o sal do mar. Deixa queimar, evaporar, concentrar e chover. Doce. Deixa tudo se misturar e amargar minha boca cheia de palavras vazias. Deixa acontecer mais uma vez, e outra.
Vão me encontrar. Eu sei. Não estou à deriva. Não é um SOS. Estou apenas dando um tempo para o amargo virar doce. “nova-mente”.


Pense o que você quiser. (Y)

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