quinta-feira, março 24

Cidade dos caranguejos.

A consecutividade das latas de cerveja em minha mão torna-se banal à medida que a mente decola e os olhos enxergam além. Elas captam, simultaneamente, passado e futuro. A luz e sua ausência. A sua ausência. Porém, de tão veloz que passou, quase que esta não foi percebida. E os olhos da embriaguez captam o que os olhos não conseguem ver.
Quando qualquer direção torna-se o norte, desvendo mais e mais ocultos sentidos meus. Sinto o cheiro das plantas que me rodeia. Ouço o som das águas correntes de uma lagoa pouco estável. Ouço cada som, de cada voz, de cada boca. Vozes frágeis, graves. Ouço cada som que faz o beijo.
Após tantas bocas saboreadas, degustadas e deliciadas, a minha própria sente-se nauseada. Nenhuma dessas provadas tem meu sabor predileto, mas não reclamo. Com toda essa salada de salivas, desejos e pequeno prazer, minha boca pede o gosto amargo de mais um gole da cachaça doce que abre os olhos da visão. Abre a mente, na fogueira, do insenso que dispensa o vento e disfarça o cheiro do elemento natural. Após tantas bocas sentidas, quistas e batidas, uma mistura começa a se dissipar.
Essa má digestão que vem da mente e dos pulmões, pulsa e bate. Bombeia e leva para todo o corpo a vontade de vomitar um bocado a mais de coisas que sempre houveram engarrafadas em meu corpo: Samba e bohemia. Samba de roda que faz uma ciranda. Bohemia na mesa, na simplicidade da palavra, na malandragem com que toca. A vontade de explodir vem de dentro, vem da voz da alma. A vontade de expelir um bom, mal e necessário, reduto de empolgação e festejo.
A voz que explodirá é a mesma que, agora, pede com delicadeza e todo respeito o microfone na mão da donzela. Um dueto deixo para depois, quem sabe. Tudo é um ciclo. O retorno, após longos anos, é repentino. Nunca pensei que portaria novamente um microfone e um repertório. Jamais pensei que poderia voltar a sentir sensações como aquela. Pois quando eu encaro o público de frente, é o momento em que eu posso ser quem eu quiser ser.
É justo neste momento, então, que fico mais simples e tudo o que mais desejo é ser eu mesmo. Consigo com maestria. Porque lá eu não minto, não finjo. Não invento. Fecho os olhos e deixo a arte fluir e interagir com minh'alma. Esta é a arte que me faz não pensar em quase nada. Só não digo "não pensar em nada" devido ao fato de que, por uma mínima fração de tempo, pensei e desejei que esse momento pudesse ser a tão sonhada retribuição, a réplica. O agradecimento. Cantar de volta a canção desejada à mim outrora.

"Não são lamentos, meu amor. São só saudades."

De tão veloz, já nem me lembro. Não importa, agora. Tenho uma vida inteira pra pensar. Mas nesta noite, nesta em que volto a ser eu mesmo, mesmo que só durante esta canção, deixo minha mente limpa. Deixo a alma voar até sua gêmea, sem me preocupar com o que ela fará. É mesmo somente mais uma pequena mensagem.
Barriga vazia, garganta seca. Os sentidos voltam a ser humanos, normais e pequenos novamente. Fim de um ciclo. Início de outro. Mais uma cerveja na mão. Mais salada, mais samba. Mais do mesmo.




Pense o que você quiser. (Y)

1 comentários:

Ti Ferreira disse...

"Após tantas bocas saboreadas, degustadas e deliciadas, a minha própria sente-se nauseada...."

e a degustação foi bem mais além da cidade dos caranguejos ....


Texto nostalgicamente belo =)
Beijos


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