quinta-feira, julho 28

Pretérito mais que perfeito.

Como seria se não existisse o passado? Viver um dia de cada vez, como se fosse o último, como se fosse o único, como se nada mais importasse. De tudo, de todas as maneiras, de todos os lados. O de dentro, o de fora, ao seu lado, como se não existisse passado. Conjugar os verbos seria bem menos doloroso. Não haveria o “já amou”, tão pouco o “já sorriu”. Apenas saudade, lembrança, aperto no peito e vazio na mente. Ninguém entende. Se o sentimento é uma linda estrada com face para o dia é justamente porque este caminho é íngreme.
Se for pra não entender, prefiro ficar cego. Não quero mais enxergar aquela pele, aquele rosto, daquele mesmo jeito carinhoso e feliz de sempre, mesmo que a felicidade não parta mais de mim, mesmo que não haja mais felicidade em mim, pois esta só existe porque eu tenho uma história pra contar, a mais linda história de amor que ninguém ouvirá. O mais lindo filme, protagonizado por mim, que jamais alguém assistirá. Se disser, ninguém acreditará, entretanto.
Agora, o presente que ganho deste presente frio e completamente envolvente com fumaça densa e névoa de inverno é o abraço da vida. Cada dia um novo par, uma nova nota. Meu cálice já não me embriaga mais, mesmo após tantas e tantas doses de vinho tinto com cor de sangue, com cor de dor. E o “Calix meus inebrians” escrito na pele com tinta preta, cor de tristeza e solidão, não diz mais nada. O castigo maior é já se acostumar a esquecer da dor em outros braços, outros cálices, e não se esquecer de que ainda tenho coração.
Gostaria de não tê-lo, confesso. Contudo, não posso arrancar minha própria alma de seu destino que é vagar a solta, sem voltar pra casa, procurando uma nova razão para voltar a flutuar e voltar a ser feliz. Voltar ao passado para, talvez, descobrir que pra quem sabe olhar pra trás, não há ruas sem saídas. Retroceder. Reconhecer que o passado já não importa e começar uma nova linda estrada ao partir daqui.
Somente o instante em que me embriago com tantas palavras de inconstantes sensações, eu percebo que no passado de ontem estive no mesmo lugar duas vezes. Exatamente no mesmo boteco, na mesma calçada, numa noite igualmente estrelada. O ontem que vivi sem ser entorpecido pelo amor, frio e sereno. O ontem em que o único vermelho que me restou foi o batom daquela boca em meu pescoço, já lavado, já esquecido, como se não houvesse passado.
A outra vez em que vivi, contudo, ainda fica preso a mim, como um anel, como um amuleto. E o cálice me embriagou com o vermelho do vinho, com o vermelho da carta. Com o vermelho de uma vida que foi conjugada no verbo “existiu” e que não existe mais.



Pense o que você quiser. (Y)

terça-feira, julho 26

Menino homem.

São muitas coisas passando pela cabeça ao mesmo tempo. Tantas pessoas, tantas ordens, tantas subjeções. Tanto peso para esse menino carregar. Menino com corpo de homem, com mente de homem, com atitudes de homem. Ainda assim menino, entretanto. O rosto vermelho e molhado não são nada mais do que uma distração. Homem não chora. Nem menino que quer ser homem.
Onde há uma bifurcação, se escolhemos o caminho errado estaremos sendo imaturos em demasia. Não escolher nenhum sentido e permanecer estático é omissão e falta de experiência. Homem não erra, não permanece. Ele enfrenta, vence todo e qualquer obstáculo imposto pela vida. Qualquer que seja o caminho escolhido pelo homem será sempre o certo, pois não há decisões infortunas. Movimentos sempre serão frios e calculados. Homem não tem coração.
Se o tom de voz almenta e os gritos tornam-se soberanos, seremos rebeldes e grotescos. Se permanecem-se mudos, seremos medrosos e introvertidos. Homem não grita, nem fica calado. Ele se impõe, é gentil e firme, verdadeiro e inflexível. Sua palavra torna-se lei. Torna-se regra – ou exceção. Meninos dizem tantas bobagens que homens escutam e ignoram. Meninos mudam facilmente de opinião, de tom de voz e sempre serão vistos com desconfiança. Sua palavra não será refletida, não será repetida. Seremos apenas meninos.
Ser homem ou ser menino? Não sei. Ser alguém e representar qualquer uma das duas faces têm sido cada vez mais difícil. É quando a voz do homem se cala e o choro de menino explode na face e escorre até o chão, ouvindo a velha canção que falava do homem que nem por amor chorava, que ninguém pode ser capaz de ver. O homem obtém o que o menino perde. O rosto do menino molham e as mãos do homem secam. O menino sonha e o homem continua atento olhando para a janela vazia, esperando, ansiosamente, este amor aparecer.
Se hoje eu sou um homem, penso como homem e tenho respeito de homem, haverão duas coisas do meu menino que jamais se partirão: Meu sorriso, singelo. Meu choro, vencedor.



Pense o que você quiser. (Y)

quinta-feira, julho 21

Passa tempo.

Passam dias, semanas. Passam meses, passam anos. Passa o trem, passa o carro. Tudo passa. Como nuvem, como vento. Como verdade dita e imposta sobre o tempo. Passo a roupa amarrotada, já lavada, já posta no varal. Já vejo cadente a estrela que plantei, que vi crescer e vi voar. Passam horas, minutos, segundos, frações de todos eles. Já não sei mais o que é relógio, o que é futuro ou passado. Já não sei mais se esse presente que vivo foi mesmo dado, se foi presenteado.  Passa o horizonte para descobrir que a Terra é redonda e que toda a estrada nunca vai ter fim. Passa calor e passa frio, simultaneamente, dentro de mim. Vejo-a passar, somente alma, no universo paralelo, envolto a esse termômetro sem regras. Em meio aos meios, às entranhas de minha própria história.
Sigo, se verdade, a verdade que me cabe no peito. Que pulsa sob a pele, sobre o pensamento, sobre pensamento. Sobra a constante falta de manifestação e torna-se distúrbio o que fora dádiva outrora. Torna-se medo e torna-se pesadelo. Passa a noite, fica a escuridão. A luz do sol me rega, derrama torrentes de calor e meu corpo continua adubado pela fumaça negra de algo maior que a indiferença. Algo maior que a solidão. Solidão que rói que dói. Solidão que me destrói.

Então passo. Questiono-me porque, por mais que eu corra, caminhe e fuja, essa sensação de que é sempre comigo e que sempre serei eu o resultado final dos atos daquela menina, daquela mulher, ainda transfunde-se em toda essa densa fumaça. Porque tudo o que ela faz, ainda, está afetando-me, está completamente presente em minha árdua vida? Todo o desejo de se sentir, de ser feliz, apagou como um sopro simples apaga a chama da vela, da última, carregada com a esperança que coube dentro desta caixa misteriosa que Pandora batizou.
Passa uma mão sobre a outra. Entrelaçam-se e descobrem que estas pertencem ao mesmo corpo só e confuso. Tateia a caixa e descobre que agora ela está vazia, sem cartas, sem vestimentas, sem amor. Apenas fumaça. Cinzas de uma brasa incandescente em um tão distante passado próximo. Pois parece que são centenas de quilômetros que separam duas almas que estão ao alcance de um passo. No universo em que eu criei – e que acredito – não há entrelinhas que as linhas do mundo real tratam de subjugar. É um diálogo. Íntegro, firme, direto, objetivo.
Passa a sensação, passa a vontade. Fica o que tiver que ficar, o que for verdade, o que for essência. Fica o desejo e a saudade. Fica, “nova-mente”, o "até pra sempre".






Pense o que você quiser. (Y)

segunda-feira, julho 18

Em tom de respostas.

Busco, em tom de respostas, em livros e revistas, um ideograma para ideologia. Quero tatuar em minha pele, meu peito, a bandeira que carrego nas costas, que envolve-me e aquece-me. Preciso identificar meus ideais e minhas ideias. Mostrar que minha identidade não é somente mais um papel com foto, com indicação à qualquer prêmio e promoção. Quero marcar de maneira diferente. Marcar-me. Escrevendo com tinta preta, manchada, tudo aquilo que quero dizer sem que precise ser exilado, como muitos de meus heróis foram. Aqueles que viveram e vivenciaram a indiguinação de seu povo, com sua marcha, com cores estas que carrego em uma bandeira nas costas.
Os inimigos assombram os pobres e ingênuos espíritos mortais. Mostram a face do Diabo que mora dentro da casa do nosso Senhor. O mal agora é recriminar a religião do outro, a opção sexual do outro, a cor de nossa pele. Se Barbosa defendesse aquela bola, seu prêmio não seria nada mais do que o esquecimento. O índio morreu, queimado. O povo, omisso, sem voz, calado. Parado esperando o dia do juizo, sem saber que as trombetas prometidas pelos céus são anunciadas pelos mesmo farsantes que engordam suas contas bancárias com dízimos.
Não entendem que a passeata cuja bandeira de arco-íris que envolve e aquece tantas pessoas não passa de uma manifestação à favor da igualdade. Passeata colorida com verde, com seda, com sabedoria. O que todos querem é direito de expandir mais suas mentes, conhecer e compartilhar novas histórias. Mas as serpentes estão à solta, esperando para dar o bote.
Liberdade em troca de dinheiro. Sempre foi assim. O mais rico manda no país e qualquer "galo" na mão do policial nos tira da blitz. Cobras sedentas por presas fáceis. Houve ainda quem disse que o grande problema do ser humano é não crer no Todo Poderoso. Eu vejo, entretanto. Posso ver o Todo Poderoso dos muçulmanos, dos budistas, dos hinduístas. Cada qual com sua forma, com sua reza. Todos faces de um denominador comum.
"C" de covardia, "A" de amargura, "P" de prisão, "I" de ignorância, "T" de tortura, "A" de atraso, "L" de luxúria, "I" de inconveniência, "S" de suborno, "M" de mentiras, "O" de overdose. Overdose de poder, mentiras em fartura. Seguindo o caminho inverso, encontramos mais "P" de podridão e "C" de criminalidade. Mais um alfabeto inteiro de uma única palavra que cega todos os seres humanos fracos em demasia para entender que não importa qual é a cor da pele do rapaz ao lado, ele não é um criminoso.
Por isso que eu quero tatuar. Quero um ideograma para minha ideologia. Uma ideologia de ser humano católico, mestiço, brasileiro, trabalhador, heterossexual, sem vícios, mas que compartilha com todos os alternativos deste mundo um único anseio. O de liberdade.
Minha mochila está nas costas. Não estou fugindo. Quero conhecer mais.




Pense o que você quiser.


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