quinta-feira, novembro 24

Querendo querer.

­Pois ele precisava ir.
Não a deixava por não gostar dela. Estava prestes a sair por aquela porta pelo simples fato de não saber o que queria, de fato. Sua certeza em sair dava-se ao fato dele não ter certeza em nada. Pois nada queria e, simultaneamente, queria tudo. Queria alcançar os mais belos bosques e conhecer grandes cidades. Queria conhecer o mundo e o interior de sua casa. Queria viajar, velejar e deixar o corpo sobre o sofá. Queria ver TV, ver a amada e ver o pôr-do-sol sentado na pedra. Queria mudar e não tinha medo disso. Queria crescer e evoluir. Queria, mais do que tudo, se conhecer para poder ter certeza do que quer.
Queria ser rei e plebeu. Queria ser cristão, ser judeu. Queria ser ateu. Queria ser preto, branco, falar alemão e japonês. Queria ser livre dentro daquelas grades, dentro daquelas quatro paredes. Queria fechar os olhos e enxergar tudo o que a vida poderia e poderá lhe oferecer. Queria resgatar o passado para entender o futuro. Queria conquistar o futuro para relembrar o passado. Queria ser dono do tempo do relógio de pulso. Queria ser o corte e a contusão. Queria ser a cura, o remédio, o destino.
Queria ser o vírus e o antivírus. Queria ser o hardware e o monitor. Queria monitorar e comandar seu próprio exército de peões do tabuleiro de xadrez. Queria afastar das magoas a velha e incômoda timidez. Queria poder plantar e colher, só para voltar com uma dúzia de frutas silvestres. Queria, de novo e de novo, caminhar sobre a superfície do nosso globo terrestre. Queria nascer, convencer e vencer. Queria ser humilde, pedir perdão. Queria dizer sim da mesma maneira que diz não.
E se aquele lugar não era seu, qual seria então? Se em qualquer parte sentia-se forasteiro, o que haveria de querer?
Ele queria muito mais do que ouros de tolo. Queria ser o tudo e o nada. O princípio, fim e meio. Verdade, mentira e anseio. Queria ser o posto, o oposto e o avesso. Queria ser o longínquo, difuso e o profuso. Queria ser o isqueiro, o fogão. Queria ser a boca, ser o chão. Queria ser tão grande, do exato tamanho de um grão. Queria ser o arroz, o Feijão e o macarrão. Queria ser destino. Queria ser exagerado.
Mas na verdade, ele se foi porque queria muito mais que isso. Ele nunca soube o que queria, de fato. Entretanto, partiu com uma certa esperança de que o que ele quisesse estaria esperando por ele e o haveria de encontrar.



Pense o que você quiser. (Y)

sexta-feira, novembro 18

Certa incerteza.

Jazem, aqui, incontáveis garrafas vazias de vinho, cálices sujos e não retomados à boca após vazios. Livros abertos, lidos pela metade, formando, assim uma inteira opinião. Deitado no leito, descansa o corpo febril e emagrecido pela doença incisiva do saber. O tempo é o infinito, igualmente como a partida do jogo que se admira. Pratos sujos de uma mesma refeição, dia após dia, sem saber que somente saciando as necessidades chegamos em algum lugar. Espero que este seja belo como os sonhos e as visões à beira do abismo. Pois há quem diga que este mesmo corpo é mais do que um simples objeto do fruto sagrado. Há quem diga que este, mesmo adormecido e prestes à sabe-se lá o que, nasceu para ser vencedor. Nascido para ser jogador, não peça.
Nunca deixou de acreditar. Em nenhum instante que fosse, este, ainda, pudesse compreender que verdade não há além daqueles lençóis encharcados de suor. Porque será que a vitória não saiu de dentro daquela mente, mesmo com o universo - e, junto, o universo de seu corpo - desmoronando e definhando diante de seus olhos, fechados, como a porta que trancou e não soube onde pôs a chave, não sei. Não ousaria sussurrar naquele universo, tendo como partido poder gritar para todos os seus habitantes.
O toque Sagrado que por vezes tentou levar este corpo para junto de sí, para os confins da Terra, também toca imaculadamente a mente pensante e implora para que fique mais uns tempos. Para que acorde, levante e vença, como sempre acreditou que seria. Como se nunca houvesse enfermidades, devaneios e loucuras. Como se não houvesse consequências para os terríveis e temíveis atos. Pois o corpo viril que levanta, marcha e suporta, tem a mente sábia, astuta e audaciosa.
E eu, hoje, sou somente espírito. Atravesso a porta trancada como se não a existisse e olho a minha imagem. O retrato de mim mesmo preso entre lençóis, vinhos, refeições baratas e cálices. Embriagou-me, como diz marcado em meu próprio braço. Calix meus inebrians. Tão grande foi a determinação no saber que, finalmente soube, entretanto, que de nada valem as teorias sem experiências práticas. Finalmente estou de volta para amparar neste leito meu próprio eu perdido em meio de amores, em meio de solidão.
Como senti minha própria falta e como ansiei por me encontrar novamente. O mais estranho é me encontrar justamente quando estou perdido, prestes a me entregar à eternidade.
Mas e a vitória há tanto requerida? Entregar-se é mesmo a solução? Digo a mim mesmo, por telepatia, que não. Uma mente que formou uma opinião após deixar várias opiniões por formar não pode desistir justo agora, que um aliado - o mais importante - está de volta para proteger o seu flanco. Como partes de um inteiro.
E mesmo que ainda não nos fundimos novamente, minha jornada agora é outra. Simplesmente caminhar lado a lado do meu corpo e levá-lo de volta ao esplendor dos campos e dos prédios altos da cidade.

Para levantar, caminhar e vencer.




Pense o que você quiser. (Y)

quinta-feira, novembro 10

Jogo da vida.

Cabeça baixa, olhos atentos às cartas na mão. Não há nenhuma idéia mirabolante desta vez. O cigarro preso à boca queima sem um trago sequer. A garrava do wisky de vinte e tantos anos está seca. É preciso que esta mão seja ganha, pois a última e a penúltima foram perdidas. Com a derrota, perdeu-se um pouco das suas atividades diárias. Agora está tempocioso, contudo, com mais tempo em pensar no seu próximo movimento. Os adversarios são implacáveis. O Destino é um blefador nato e o futuro é imprevisível, fazendo jogadas surpreendentes quando se menos espera. Tenho como parceiro, entretanto, a doce e experiente Esperança, que já me ajudou a virar este jogo quando eu estava passando por maus bocados. É o jogo da vida e a minha vida está em jogo.
O chapéu de bohemio cobre a cabeça pensante, que pensa, pensa e raciocina. Não se deve olhar nos olhos do Futuro e tão pouco acreditar no olhar do destino. Compra-se uma carta da pilha e de lá sai um belo e maravilhoso coringa. Uma idéia nova surge à mente. Uma capacidade de mudança, de aprendizado e de fortuna. De tantos e tantos jogos que aposto, este não é o meu predileto, mas o mais importante. Lembro-me dos tempos em que o Fururo me parecia previsível e o Destino insignificante. Até a Esperança rendia-se às minhas mãos e admitia que não era ela a pegar sempre o último morto. Canastras e mais canastras na mesa, pilhas de fichas junto à mim.
Entretanto, como todo jogo, há dias em que a sorte não está do nosso lado e que os adversários levam vantagem. Logo, é preciso pensar com essa pensante cabeça escondida no chapéu. Deixar que queime a chama do cigarro da Esperança, que beba do copo da Sabedoria, parceira de tantas e tantas partidas. Pois tenho em mim todas as coisas boas do mundo. Tenho em mim um pouco do melhor de cada jogador. A astúcia, inteligencia, imaginação, força. Ainda estou vivo, correto? O jogo ainda não acabou para mim.
O coringa, num gesto de loucura, descartei para o adversário. Minha mão é melhor. Confio no que eu consegui reunir durante todos estes anos. Na vida temos que abrir mão de uma peça individual às vezes. Perder também faz parte deste jogo. O mais importante é sempre saber quando se está perdendo e onde, em que momento, você deixou os adversários virarem o jogo. Não há estratégia melhor do que se conhecer bem, pois no jogo da vida você é sempre seu pior inimigo. Consequências de adversidades partem sempre de nossos próprios atos.
Minha mão está fraca, perante a dos outros jogadores. Estou nesse buraco que agora que parece não ter fim, tendo que dar o que eu tenho de melhor para os outros sem receber nada em troca. É ingrato, ás vezes, este jogo. Mas tenho que jogar, preciso jogar. Preciso viver. Levantar da mesa agora é o mesmo que apunhalar meu próprio peito e adormecer eternamente. MInha parceira Esperança pode ter uma boa jogada à qualquer momento. Eu sei o que estava errado, agora vejo. Vejo que os erros que nós cometemos causam vergonha e o orgulho faz com que nos sintamos derrotados. Esta partida está acabando, não se pode fraquejar. Escondo meus olhos marejados e olho fixamente para minhas duas únicas cartas na mão. Falta somente um encaixe para tudo dar certo e eu limpar a minha barra, a minha canastra.
Das cinzas, surge a Ave Sagrada. Da escuridão, surge o sol radiante.
Do fracasso, surgirá um vencedor.




Pense o que você quiser. (Y)


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