domingo, junho 26

Jogando o jogo.

Têm acontecido sempre as mesmas coisas. As cartas mudam, as pessoas e os dias também. Contudo, eu ainda permaneço nesse jogo repetitivo e sem alternativas que não consigo parar de jogar. Um telefonema para ela. Logo consigo encontrar um lugar para mais uma longa noite de sensações intensas.
A cada toque em sua pele, vejo os pelos do seu corpo corresponder com arrepios. Eu sei jogar este jogo. Conheço cada centímetro de corpo, de tabuleiro, e sei dispor todas as minhas peças com facilidade. Apagar as luzes e ligar a música com baixo volume. Sempre as mesmas canções. "The Beautiful Girls". Para lindas garotas. Como num dia claro, de céu limpo, ou numa noite tempestuosa. O cenário sempre muda, pessoas também. O cenário sempre muda as pessoas também. Aquela mulher recatada e tímida, anseia pelo apagar das luzes e a vibração da música.
A dança suave de mãos começa lentamente. Dedo por dedo, palma. Pelo rosto, lábios, roupa. Com a majestade e delicadeza de um rei, tiro-lhe a blusa já suada. Desprendo o sutiã com a maestria de um regente e faço-o deslizar por toda a extensão do corpo, para cair esquecido no chão. O coração bate mais forte e a disritmia aumenta. Em uníssono, nossos gemidos ecoam pelo aposento iluminado somente pela luz da lua e contrastam harmônicamente com a "Manhã de Sol". A cama está à espera e esta é a parte do jogo em que pego-lhe com firmeza e faço ambos os corpos repousar sobre o colchão macio.
Uso o verbo, baixinho, em seus ouvidos. Uso a boca. Com sua boca, com seu pescoço, seus seios. Com a minha mão, sinto seus lábios sendo mordidos por seus dentes carinhosamente. O êxtase está sendo injetado neste corpo feminino sob o meu e a cada fisgada de prazer tudo vibra e se contorce. As pernas se contraem e os braços abraçam meu corpo. Unhas arranham minhas costas e puxam meus cabelos. Estou jogando, estou vencendo. Como sempre.
Os gemidos começam a aumentar e dominar o ambiente. "Aprenda quem você é". E eu aprendo mais de prazer cada vez que escorrego meus lábios pela barriga, virília. As súplicas daquela pobre mulher, vencida pelo tesão, por pouco não rompem meus tímpanos. Implora para que eu explore seu íntimo com ferocidade, que façamos de nossos corpos um só. Eu obedeço. Esta é a parte do jogo em que ela escolhe pra onde eu movimento minhas peças.
É intenso e duradouro. Rápido passa o tempo, tornando-se um momento mágico em que o jogo chega ao fim num estalar de dedos. Relaxam-se os corpos. Troca-se as posições. Antes de reorganizar as peças para uma nova partida, posso sentir aquele corpo de menina deitado sobre o meu, de olhos fechados, imaginando qualquer coisa e falando qualquer bobagem. Eu não escuto, nunca escutei. Meu olhos estão em desfoque, longe. Pensando e imaginado como seria, se todo esse jogo fosse mais poético, como sempre quis que fosse.
Com quem sempre quis que fosse.



Pense o que você quiser. (Y)

sexta-feira, junho 24

Narcótico esferográfico.

Sentado. Olhando. Sozinho. Vazio.
Palavras que não se encaixam em uma frase com conjunto harmônico. Não são notas musicais, tão pouco formam uma sequência simétrica. Vejo, hoje, subitamente, após tantos e tandos dias sentado olhando o vazinho sozinho, o quanto a vida pode nos reciclar e o quanto eu posso estar errado sendo tão inflexível. Todos os dias, naquele banco de praça, vendo o saxofonista de cobre. Vendo gente e gente me vendo. Vendo todos os tipos de vícios. Vendo brejas e vendo fumaça. Vendo fumaça fria, dançando com pássaros e com a nossa atmosfera.
Ontem eu fracassei. Olhei minha mãe fumando aquele seu cigarrinho de após o almoço e esbravejei. Minha namorada também já foi vítima dos meus ataques de fúria, após vê-la com o mesmo cigarrinho em mãos, escondida de mim. O que nunca percebi, foi o quanto pode ser difícil largar os vícios. Quantos amigos não conseguem largar a garrafa de vodka das mãos. E quanto eu já tentei tirar todos de suas perdições, achando que sempre fui livre de todo e qualquer tipo de mal.
Jamais notei que quando fico dois dias sem pegar no caderno e escrever uma frase boa sequer, meus olhos desanimam e minha mente pesa. Simplesmente necessito, mais e mais, em ver meu caderno preenchido com todas essas bobagens que me fazem respirar e me sentir vivo. Se saio sem minha mochila nas costas, parece que o mundo fica mais pesado e meu corpo sente a ausência de um braço. Logo eu, achando que é fácil abandonar tudo aquilo que faz mal e que o mal é apenas o que a sociedade impõe.
Hoje eu percebo. Escrever é meu vício e me aventurar pelas ruas sinuosas e obscuras do centro e dos ônibus são minhas necessidades. Quando me sinto preso me sinto mal e me sinto como se fosse inútil. Todos precisam de seus momentos de total relaxamento. Agora eu entendo. Faço mal a mim mesmo em toda essa loucura de escrever textos extremamente românticos.
Pois o amor é ruim.
Ainda não aprovo todas as coisas. Minha mente impenetrável ainda não conseguem aceitar certas idéias. Contudo, agora eu vejo o quanto é horrivel viver sob pressão. Sem fazer o que se quer, quando se quer, quando se pode. Quando não se deve, inclusive.
Sentado, olhando a fumaça subindo e dançando, eu percebi que me sinto vazio sem minha caneta, sem meu papel. Que não consigo ser eu mesmo quando não escrevo, quando não penso, quando não imagino. Não quero largar, não quero deixar de usar essa droga tão boa e que me acalma, me acolhe.
Agora eu entendo. Não perfeitamente, mas entendo. Precisamos de uma fuga. Precisamos de um pouco de paz, fazendo qualquer coisa que se quiser. Como pensar.

"Nota: Este texto faz, hoje, um ano de existência. Por ironia do destino, encontrei-o em meus arquivos num momento em que realmente lhe caiu bem. Quando escrevi o original (este eu mudei um pouco o primeiro parágrafo), pensei em publicá-lo somente quando estivesse completamente convencido de que meu vício realmente era a escrita. Não estou fazendo apologia a nada. Quero somente que as pessoas façam de suas vidas o que acharem melhor. Eu melhorei. Agora eu aprendi a aceitar melhor as coisas. Espero. Obrigado, mais uma vez, a todos os leitores do imaginadongo."


Pense o que você quiser. (Y)

Passagem para: Liberdade.

A fila é grande para se comprar mais um ticket. Outra passagem, após dias, semanas, meses de espera. O tempo é curto se compararmos à espera que tivemos para poder partir. O tempo sempre é mais curto quando estamos em paz com nosso interior.
Este nem parece ser aquele mesmo homem que chorou nos braços da mãe natureza e a viu chorar e dividir suas tempestades internas. O vento trouxe a chuva que é o choro do céu. O mar mostrou sua face, sua fúria, tomando para sí o asfalto construido pelo homem. Nem parece ser aquele ser "eu" sem ser "você". De tanto perecer, tornou-se pó. Voltou para terra e se desfez. Refez-se. Como tantas e tantas vezes antes, como a ave mitológica e sagrada, agora inflama suas asas e começa a batê-las. São sempre as mesmas formas, as mesmas situações. O ciclo se repete. A cadeia de acontecimentos, como a natureza quer.
Jamais pude ver este rapaz do jeito que ele está agora. Dono de uma confiança que nem ele mesmo acreditava ter. Temeroso quanto ao futuro? Pode ser. Contudo, o que importa é que ele aprendeu que caminhar para frente é necessário e desvendar o misterioso também. A vontade de rumar pronde o nariz apontar primeiro sempre existiu. O ticket de viagem que ele comprará nesta fila só desvendará seu destino quando ele chegar no guichê. Não importa o lugar. O que importa é a realização de mais um pequeno sonho.
Um ensaio para fazer pra valer no futuro. Pois ainda existem coisas que prendem esse ser solto. Existem responsabilidades e dose de prudência. Mas sua mochila, seu violão e sua vontade de desbravar este ponto azul no meio do universo estão à espera deste corpo necessitado. O tempo é curto, se compararmos ao tamanho de nosso pequeno ponto azul chamado Planeta.
O tempo é curto, mais uma vez. Sempre foi e sempre será enquanto estivermos em paz com nossos ideais. Mesmo os períodos de crise, em que o tempo parece estacionar em nossa porta e permanecer ali quase que eternamente, percebemos que o tempo passa depressa. Vivo de pressa, de correria, de tempo curto. Pois há muito desejei estar nessa fila, para comprar mais um ticket, para mais uma viagem sem destino. Pois não há destino melhor do que a liberdade.



Pense o que você quiser. (Y)

domingo, junho 19

Sem horas e sem dores.

Por Wall Oliver
Se sorri, foi porque chorava. Se chorei, foi porque estava sorrindo. Não sei o que houve, não houve nada, pra falar a verdade. Só sei que, em mim, estava tudo aquilo que me cabe. Coube, em mim, tudo o que não cabe na dispensa. De todas as formas, de todos os momentos. Um pequeno ovo se quebrando e mostrando a face mais pura da vida. Meu início, meu nascimento.
E como uma pedra jogada no rio, minhas águas vibraram a cada saltitar, a cada abraço. Seguindo fielmente o compasso da canção. Do salto, do chão, do ar, do chão. Do impulso. Disparava meu coração, meu pulso firme, jogado para o ar. Jogado eu fui, diversas vezes. Contra a parede, contra o próximo. Vi meus irmãos jogando-se ao chão. Pesadelos e sonhos. Tudo uma coisa só.
Mas faltavam algumas coisas. Uma parte que eu não tinha levou minha metade que quero de volta. E quero inteira, novamente, minha outra metade. Enquanto ela não volta, minha certeza e contradição não têm cura. Não há palavra, não há pena, não há sonho e nem flauta pra se tocar. Faltava o passarinho recém nascido começar a cantar, começar a bater asas. Sua voz ainda é tão fraca, e o barulho da lona, do circo, é tão alto! Falta uma chance. Encontrar um vácuo no meio de tanto oxigênio. Encontrar silêncio em meio de tanto esporro.
Silêncio.
Uma luz se acendeu. Ascendeu, esta luz. E a voz, o grito, ecoou perfeitamente, milagrosamente, no meio daquela fração de escuridão. Medo e desejo somos. Vontade de ver os desejos se realizando, mesmo que sejam tão poucos e pequenos. Não houve nada mais importante do que me ver refletido naquela canção. O pássaro se transformou. Virou um vaga-lume.
Brincando entre os campos de tantas outras luzes acesas, o vaga-lume ouviu seu hino, sua própria canção. Mais uma vez, este pedido foi concedido. O desejo se realizou. E o destino fez com que a memória unisse o futuro, presente e passado num único momento. O momento em que nada importa e que todo aquele mar de gente parece ser parte de você. Como se fosse um espetáculo para uma única pessoa cantado por ela mesmo. Nem teatro e nem magia conseguem explicar o que acontece nessa hora. Nem palhaço, nem fantasia.
Vi lágrimas do mais forte dos homens. Vi uma unção de almas. Uníssono, todos clamando por mais um pouco de amor, um pouco de paz. Aquela paz que só se consegue quando muitos corpos se abraçam e giram. Na varanda, na palavra, na respiração.
Às vezes, contudo, quando falta uma única pessoa, parece que o mundo inteiro está despovoado. Mas não me faltou nada. Tudo o que preciso está dentro de mim. Coube tudo aqui dentro. E só enquanto eu respirar, me lembrarei. Um dia, as pessoas irão entender porque todas essas passagens musicadas por um cara lá de Osasco e sua trupe me comovem tanto. Todos saberão.
É a melhor forma que tenho para agradecer e explicar o que sinto. Hora de ir embora, mais uma vez, com a alma lavada e limpa. Livre.



Pense o que você quiser. (Y)

domingo, junho 12

Nas trevas, o vento.

A hora de dormir é quase a mesma que a de acordar. Um turbilhão de responsabilidade e seu inverso me tira para dançar. A sinfonia dos loucos sãos, dos que caminham de perna manca pois não conseguem se manter em pé. Minhas pernas são firmes. Meus olhos estão atentos. Uma ordem repassada que atravessa as minhas logo perdem o valor. Eu estou no controle. Minhas pernas ainda estão eretas, firmes. Meu corpo dói a todo instante. Há muito não sei o que é poder sonhar. Nem sonhos bons, tão pouco aqueles pesadelos maravilhosos. Meus olhos não se fecham por mais tempo do que um piscar. Minha vida está fadada ao progresso. Doloroso caminho à se percorrer, chamado progresso.
Estou preso, como o vento está preso ao ar. Preso em uma liberdade que assusta, de tão grandiosa e valorosa que é. Apesar de não poder fechar os olhos e repousar, sinto cada dia de fúria dentro de mim, de todas as maneiras. Assim como eu. Pois sinto tudo de todas as maneiras, vivo tudo de todos os lados, sou a mesma coisa de todos os modos possiveis ao mesmo tempo. Realizo em mim toda a humanidade de todos os momentos. De todos os dias e noites em claro, de cada partícula de cada segundo de cada fração. Num só momento difuso, profuso, completo e longíquo.
Vejo a rua deserta. Sinto o frio do vento das trevas. A noite me acolhe, solitário. Espero, cercado de pessoas, a hora de repousar em minha cama. Espero e vejo a fumaça subindo. O cigarro aceso na mão do estranho me faz ver e sentir a vibração do frio do vento das trevas. Serei um oceano em meu quarto, quando repousar. Serei um furacão. Não sei o que escrevo, não sei mais pensar.
Tudo o que eu quero é que não me esqueçam. Estou de pé, firme, esperando o meu progresso e o meu regresso ao lar, para minha cama. Posso fazer chover, fazer a neve cair. Basta eu continuar a caminhar. Basta eu esperar mais um pouco. O inferno queima todo o meu corpo lentamente. Estou livre dentro de um incêndio de tortura e sacrifício. E quando eu chego ao ápice, pergunto a Deus porque ele me escolheu para isso. Porque eu resolvi percorrer esse caminho tão cheio de pedras, tão cheio de cacos de vidro e de espinhos. Quero sangrar, quero ingressar na selva. Quero sobreviver.
Quando penso em tudo de ruim que fiz, o quanto eu pude ser monstruoso, recordo-me que apenas quis me defender. Defender meus próprios interesses. Na verdade, nunca pensei em ninguém antes de pensar em mim. Essa é a verdade e eu assumo-a. Quando me questiono, logo, se tudo que sofro, se minhas olheiras, é por castigo divino, recordo-me, contudo, de tudo de bom que já fiz e de todas as pessoas que ajudei, ensinei e doutrinei.
Este não é um castigo, mas sim uma provação. Enquanto não posso dormir, resisto, de pé. Minhas pernas ainda estão firmes e eu estou vencendo. Sim, eu vou vencer.



Pense o que você quiser. (Y)

domingo, junho 5

O grito.

Da tempestade nasce o arco-íris.
Aos poucos o coração deixa de bater com ferocidade e com o tempo o corpo fica frouxo e repousa. Os sentidos se relaxam e a cabeça esquece, um pouco. Tudo vai se esvaindo lentamente, escapando pela torneira improvisada e criada emergencialmente. Noites difíceis estão por vir. Portanto, melhor deixar de lado um pouco deste excesso de sentimento que ainda há.
A vontade de gritar, após alguns inaudíveis, é enorme. Poder, desta vez, abusar de toda potência vocal e explodir vidraças. O grito de "eu te amo" que está preso e acumulado precisa sair. Contudo, o que sai é apenas um punhado de ar de suspiro de saudade. A areia fina que desce pelo pequeno orifício do relógio, cai mais rápido do que o tempo que passo sem viver. A ampulheta não vira sozinha, o jogo não muda sem luta, sem entrega.
Dissiparam-se as núvens. Um novo dia está nascendo.
Inspira, respira. Inspira e prende. Não quero lembrar, não quero saber. Nem que sejam por somente alguns instantes. Ao abrir meus olhos, de súbito, após mais um de incontáveis sonhos bons, tenho a convicção de que serei uma pessoa nova. Um ser que está no meio do furacão mas que também é o próprio redemoinho de rajadas de vento. Devastarei. Descontarei em tudo e em todos, afim de me libertar deste mal e voltar a ser brisa de verão. Estou no ponto mais alto da bipolaridade. A cura é a insanidade. Loucura e inconsequência me levarão ao Nirvana do entendimento e compreensão.
Sol forte. Queima a pele de quem sai para viver.
A recompensa não é sempre reluzente. Um aperto de mão vale mais do que uma moeda. Um abraço vale mais do que um aperto de mão. Uma palavra dita vale mais do que uma escrita, como disse Branco, tempos atrás. Não é preciso ver? As coisas mudam e o furacão leva as questões de outrora. Minh'alma clama por sons de idiomas diferentes. Ecce sentiant animo finxerunt. Essa frase soa muito melhor na língua mãe.
Cai o sol. Reinam as estrelas. Destas, após dias, restam apenas poucas, pois as núvens agora imperam no céu. Dias nublados, noites com trovões e raios. A tempestade.
Jogo, mais uma vez, essa mesa para o alto. Quebro-a, novamente. Grito. Grito até que o "eu te amo" tome qualquer outra forma compatível com minha garganta e pregas vocais, para que possa ser expelida. Pois nada faz sentido. Grito mais e mais alto, na esperança de que alguém tome conhecimento da minha loucura e me dê remédios para dormir. Dormir sem sonhar aqueles sonhos bons, que me fazem acordar e querer gritar uma frase que não consegue ter encaixe mais em minha boca. Que não tem mais destinatário.
Não pode ser entregue em qualquer casa. Pois é puro, é raro. é simplesmente singular.




Pense o que você quiser. (Y)

Se for pensado.

Penso. Penso e logo existo. Logo, existo e tento utilizar essas palavras que penso, a cada fração de tempo e a cada sílaba que forma palavra e que forma frase. Que forma o raciocínio, logo. Existo porque logo penso em decifrar os misterios de minha cabeça, de minhas idéias e do chão onde piso. Molhado, o piso suga o sangue derramado por meu corpo, meus olhos tristes e minha mente prestes a explodir de tanto pensar. De tanto existir penso que posso, talvez, ser um fantasma, ser qualquer um. Ser ninguém.
Mas eu sou. Ou melhor, eu fui. Um dia, fui uma pessoa feliz e completa. Um dia fui um inteiro e a outra metade de outro inteiro. Fui coletivamente individual e compartilhei e desfrutei de um corpo que não é meu. Que não é mais meu, mas que já foi num passado não muito distante. Que não é mais meu, mas que sempre será em minha memória, em meu passado, em minha história.
O passado que se vive, nem sempre importa tanto. Mas quando o passado persiste em se manter em nosso presente a cada esquina que viramos, a cada palavra que pronunciamos, a cada pensamento, tudo o que nos deveria restar era aceitar este fardo - ou dádiva - e seguir em frente. Em frente, pra frente, adiante, para o futuro. Contudo, estamos presos. Eu estou preso, imóvel, impossibilitado. Essas idéias intermináveis que me fazem pensar e que fazem existir minha escrita, que me fazem existir e me faz ser aquilo que escrevo, brotam como a água brota de uma nascente, iniciando o fim de mais um ciclo. Nova e novamente penso. Nova e novamente existo, logo.
A distância infinita entre o norte e o sul é apenas um passo que atravessa a linha do Equador. Fogo se faz com uma única faisca e um pouco de palha. Nem tudo é tão complicado. É complexo, isto que sinto dentro de mim. Resumir em uma palavra, em quatro letras, em uma certeza e um medo, uma dúvida. A espera para que essa agonia acabe e que eu volte a ser quem eu sou, quem eu era, quem eu sempre quis ser. Lutar contra não adianta. Lutar à favor não resolve. Esperar é a única solução. Talvez ter fé, mas é difícil, depois que já tive serenidade, coragem. Sabedoria, talvez.
Sabedoria pra saber que eu existirei enquanto eu pensar. Que eu pensarei para existir e para fazer minhas ideias fluirem. Na minha cabeça, no meu raciocínio, que seca o chão molhado de lágrimas que derramo todas e de tantas vezes que quero ser quem mereço. Que não arrume desculpas para fechar os olhos e dormir, achando que o dia de amanhã será melhor, será mais feliz, será meu.
Pra escrever, logo, não preciso pensar nem existir. Não preciso de nada, pois meus sentimentos são aquilo que escrevo e pra escrever só preciso ver. Sentir e imaginar.


Pense o que você quiser. (Y)

quarta-feira, junho 1

Errados caminhos certos.

O aperto do coração que há dias atrás me atormentava sem motivo ou explicação, agora revela-se, de súbito. Como uma premonição, como poderia eu pressentir tanta injeção de adrenalina em meu corpo, em tão pouco tempo, em tão pouco espaço? E essas sussessivas perguntas que antes fizeram parte de meu cotidiano e há muito estão esquecidas, novamente circulam e são bombeadas por cada veia e artéria. Por cada fração de segundo.
Todas as semanas de um passado recente eu caminhei, sempre no mesmo dia, sempre na mesma hora, sempre procurando aquilo que nunca quis encontrar. Aquela que sempre quis encontrar, mas jamais tive coragem de seguir, de procurar. Diante de dias longos e preenchidos com tarefas, meus receios foram justificados. Mas sempre tive a certeza de que, no fim de tudo, o mundo daria voltas ao redor de sí e o que eu queria encontrar, de fato, surgiria em meu horizonte, de súbito. Tudo o que me é necessário é que eu dê os passos certos.
Contudo, hoje resolvi pisar em falso. Quebrei a rotina de todas as semanas, sempre no mesmo dia, sempre na mesma hora. Errei de propósito o caminho, pois não queria encontrar aquilo que sempre quis achar. Passos firmes e determinantes em direção ao desconhecido, com a cabeça ocupada demais pensando nas coisas que li e nas coisas que estudei. Concentrado e nervoso. Não precisava de mais nervosismo, não hoje. Não queria ter mais uma surpresa, mais uma partícula de pensamento diário e de busca na minha mente. Não hoje.
E com passos errados e errados ao que pareciam ser certos, eu encontrei. Eu encontrei-a.
Olhando pra baixo, com rosto rosado, entristecido, ocupada com sua rotina, não pode me ver. Eu, acovardado e surpreso por encontrá-la logo ali, naquela hora, apressei-me para sair de seu campo de visão. O aperto no peito que há dias me atormentava sem motivo, oculta, agora explica-se. A alma sabia que seria hoje, nesse instante, após tantos dias passando no mesmo lugar, no mesmo dia e hora. Talvez os olhos dela não tenha encontrado os meus, mas tenho uma louca certeza de que algo dentro dela sentiu meu caminhar trôpego, vagando pelo caminho errado, certo pela primeira vez, quando eu menos esperei.
No fim, o mundo dá mesmo voltas ao redor de sí. Eu já sabia que isso iria acontecer. Aqueles olhos tristes que pude ver hoje, felizes quando encontravam os meus, apontam para outra direção agora. E a sensação ruim, o peso e o aperto, cessam lentamente. Bom saber que ela está bem, que está viva. Dá-me forças pra continuar caminhando firme, determinante e confiante. Algo de extrema importância me aguarda agora. Talvez depois, em outro dia qualquer eu volte para encarar aqueles olhos mais uma vez e permita que este corresponda o olhar.
Quem sabe um dia, num futuro próximo.




Pense o que você quiser. (Y)


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