sexta-feira, agosto 3

Brincadeira da inspiração.

As pernas se movimentam. A tentativa é de se chegar há algum lugar o mais depressa possível. Viris, caminham pesadas e em sentido linear. O relógio sempre gira mais depressa quando precisamos de mais tempo. As mãos entrelaçam-se, inquietas. Batem nas pernas como um cavaleiro espora sua montaria, na esperança de acelerar o passo mais e mais, esperando o momento em que deverão ser utilizadas para trabalho árduo e duradouro, com caderno, caneta ou maquina de escrever. A mente pensa. Passam-se milhares de milhões de coisas. Imagens, lembranças, palavras, frases prontas, canções. Um baú com quantidade ilimitada de informações, desejando que tudo se compacte e vire poucas palavras. Mas nem sempre o corpo chega a tempo de expor suas ideias e anseios, fazendo com que todo este tesouro mental fuja da memória como fumaça.
E aqui estou eu. Mãos vermelhas, pernas doloridas e mente vazia. Tentando encontrar uma forma de me expor e de esvaziar todo o meu recipiente interior. Tentando, inutilmente, encaixar as palavras, buscar ares novos, conclusões para minha vida indescritivelmente sensacionalista, como a de todo e qualquer poeta. Entretanto, estou sozinho. Meu esforço para chegar o mais depressa possível perto de qualquer utensilio que me ajudasse fez com que eu deixasse minha inspiração para trás. E ontem, vesti a calça após acordar, olhando para a parte de mim que deixei sob os lençóis, presa e adormecida.
Por mais que eu tente, por mais que eu busque, a inspiração é uma paixão platônica. Não se deixa tocar quando não pretende, não se mostra quando mais precisamos dela. Não nos permite que olhemos em seus olhos, buscando a verdade inflexível e singular. Uma serpente, que nos domina, nos envenena, fazendo de nós uma presa fácil. Um anjo, que nos trás brilho e conforto, quando assim pretende ser. E toda a pessoa que assina este documento, torna-se escravo desta maldição benéfica. Enxergar a si próprio, através de palavras, sempre que a inspiração chega para te auxiliar, pois já descobri que sozinho não consigo escrever, não sou capaz de me enxergar ou de me conhecer mais profundamente.
E eu rezo, ouço as canções que ela gosta, imploro internamente para que ela venha logo e que faça um sentido na minha vida neste e em todo momento. Sinto meu coração bater forte, frágil, ferido, dentro da caixa de aço, ansiando por questionamentos, por palavras corretas e por desafios novos. Querendo aprender mais uma palavra nova, mais um sentimento novo, mais um sentido novo, mais um pouco de tudo de novo. Necessitando de versatilidade, de impulsão, de respostas. Eu sei que eu guardo tudo isso dentro deste meu recipiente delgado e lesado pelas quedas sucessivas do sofá, mas a inspiração brinca comigo e insiste em mudar as coisas de lugar. Faz com que eu me sinta um visitante dentro de meu próprio corpo.
Se ela não vem, contudo, não reclamo. Levanto-me da mesa, arrumo minhas malas e saio de casa. Sempre pensando em coisas que fazem sentido em minha vida, faço a minha rotina diária. E sentado na praça em que diariamente sento para trocar figurinhas com os meus pensamentos, os olhos se abrem e repara que a praça é triangular, mesma figura geométrica que já me foi uma fonte de inspiração. A esfera é vermelha, o cubo é amarelo. A pirâmide, contudo, é azul. Uma pena. Mas nada nesse mundo haverá de ser perfeito. Há coisas que podemos fazer para melhorar. O verde também está presente, sentado, dentro do triângulo. Agora tudo faz sentido. A inspiração está de volta. Mas eu não estou em casa. Como farei para escrever?
Sou precavido. Trouxe o meu Moleskine desta vez.



Pense o que você quiser. (Y)


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