domingo, maio 13

Visão de nostalgia.

Óculos escuros presos no peito, fazendo com que o coração consiga refratar a luz que ilumina a paisagem. Reflete nos vidros dos carros, a iluminação das lâmpadas dos postes eretos e uniformes sobre a grama, sobre o solo fértil e molhado, chupando a água negra do asfalto em contato com o pneu.  Lentes abaçanadas, escondendo todas as rachaduras e declinações, ansiosas por enxergar um pouco mais de esperança, transformando em nostalgia o que era para ser um terno momento.
Fugaz. O aprendiz agora torna-se mestre de seu próprio sensei, mostrando-lhe o que há muito havia se esquecido. Sonhos são sonhos e desejos são desejos. Querer ser não é o mesmo de ir ser. E se os olhos tristes e protegidos por armação e lentes forem afugentados por olhares severos alheios, o aprendiz diz para ser paciente e esperar o fim chegar. Deixar para viver o amanhã somente quando vier a aurora, quando florescer o dia e este mostrar-se promissor.
Mas o que eu vejo é chuva.
Ouço o hino em que os bárbaros choram, observando o longo inverno e o tempo ruim, com uma das mãos aconchegando a garrafa de cerveja enquanto a outra brinca de apertar os botões do telefone celular escondido no bolso do casaco. Em pé, viril, de garganta cheia e corpo vazio, ansiando por um abraço que fosse, vindo dos céus ou dos braços daquela íntima desconhecida, brigando com o guarda-chuva enquanto espera o seu ônibus para regressar ao lar. Descrente de que ainda há vitória para um desbaratado, os olhos do coração choram em sincronia com o lamento do céu.
E o que se vê nesta paisagem?
Os olhos são cegos. Vêem asfalto, carros passando em velocidade pela rodovia, refletindo a luz que é refratada para outro lugar quando entra em contato com os óculos que tampam a visão, mesmo que não tampe o que se vê. Fitam a chuva, a movimentação das pessoas e amplificam a visão até o horizonte. Miram as placas, as figuras de outdoor, o galã e as árvores escassas. Captam a suave dança e a simetria e assimetria das coisas. Transformam as paisagens em paraísos melancólicos, solitários e tristes. Contudo, nada enxergam de verdade.
É preciso ver com o coração. E, se eles pudessem, Veriam frio, solidão e medo. Fitariam a saudade, a ausência, a vontade. Mirariam o querer, o querer muito e o querer bastante. Capitariam, logo, a estranha certeza de que milagres existem e transformaria tudo em esperança. Palavras ditas por uma real criança, impressas e reproduzidas por um interlocutor familiar. Àquele que julgou ensinar um dia.
Azuis. Sempre soube, sempre senti. Os olhos escondidos sob os óculos são da mesma cor da fita que carrego na mochila que carrego nas costas. São da mesma cor de sua alcunha.



Pense o que você quiser. (Y)

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