domingo, outubro 31

Diálogo de almas.

A cada passo largo que dava à frente, meu coração parecia acelerar ainda mais. Já achava estranha a forma com que ele batia em descompasso. Após cada passo, ele piorava, se debatia com mais violência dentro do meu peito. Eu não sabia o que estava fazendo. Sabia exatamente o que estava fazendo.
De longe, avistei-a. Como estava bela! Mesmo após tantos meses sem poder observar seus movimentos e seus gestos, sabia exatamente como estava se sentindo naquele exato instante em que cruzou seu olhar no meu: Algo que não conseguirei descrever. Algo que se mistura a euforia e uma felicidade contida. Um rancor pontiagudo e uma tristeza constante. Uma vergonha e, ao mesmo tempo, inibição.
Era o mesmo que eu sentia. E um abraço frio demos um no outro, como dois desconhecidos. Como se jamais tivessemos sequer o conhecimento da existência um do outro. Como se não houvesse passado. Como se o passado fosse ainda o presente.
Durante todo aquele tempo em que permanecemos próximos um ao outro, falamos-nos por mera formalidade. Por um instante me senti a pior das pessoas, mas não haveria de culpá-la. Somos responsáveis por nossos próprios atos e responsáveis pelas consequências que eles nos trazem. Por sorte, havia mais um elemento mediando nossa conversa, pois caso contrário, seria um diálogo mudo, onde não conseguiríamos olhar para os olhos do outro.

"E lá estava ele, com seu copo de cerveja nas mãos. Eu não o conhecia. Este era outro, de fato. Parecia triste, mas com um brilho no olhar que jamais havia observado antes. Um brilho de quem está vencendo barreiras e derrubando obstáculos. Meu peito disparava. Quando ele havia chegado, nada mais do que um abraço frouxo pude dar. Ele não merecia o meu melhor abraço. Fora patético ao me acusar e desconfiar de mim. Apesar da dor estar amena, ainda não conseguia olhá-lo e não lembrar de quantas lágrimas derramei e de tudo o que acabei por fazer. Agora tudo estava voltando ao normal.
Ele não merecia meu melhor abraço, mas mesmo assim eu queria dar. Não houve pessoa, nunca, que tenha se encaixado melhor em meus braços. Não houve, nunca, ninguém em que eu pudesse recostar minha cabeça, fechar os meus olhos e ter certeza de que eu estava segura. Já não tenho mais, mas está tudo ali, bem na minha frente. Sentado com seu como de cerveja na mão e conversando distraidamente, sem ao menos notar tudo o que eu estava sentindo"

Somente quando pude recostar minhas costas naquela cadeira, pude perceber que meu coração, agora, batia normalmente. Acelerado, ainda, mas com uma estranha sensação de segurança. Lá estava ela, sentada em minha frente. olhando-me enquanto eu não olhava-a. Nossas conversas não eram diretas, não referíamos a palavra um para o outro, até ela sentar-se do meu lado, inventando um motivo qualquer, este que não consigo me recordar agora. Foi quando nosso olhar se cruzou pela segunda vez.
Desta vez, contudo, pude observar que algo já havia mudado. Não era o mesmo olhar vazio que antes fora trocado. agora, havia um pequeno brilho, algo que me fazia perceber que, após de tantos e tantos meses, uma pessoa diante de mim estava feliz ao me ver, mesmo após tanto sofrimento que compartilhamos quando estávamos longe um do outro.

"Ele acendeu um cigarro. Espantei-me com o modo natural que ele agiu. Geraram-se dúvidas em minha mente. Mas pouco importava-as agora. Eu precisava chegar mais perto dele. Precisava olhá-lo nos olhos e tentar decifrá-los.
Puxei, então, minha cadeira para o seu lado. Pedi-lhe o isqueiro. Olhamos-nos. Eu vi um brilho incandescente. Tive a certeza: Ele me amava. Amava como nunca amara outra mulher. Como, talvez, nunca irá amar. Mas eu me questionava. Há tantas coisas dentro de mim que eu não faço idéia do que fazer, do que pensar, de como agir.
Minha cabeça briga comigo diáriamente. Tenta fazer de mim uma pessoa sensata, tornando impossível ver a mim e a quem me ama e a quem eu amo juntos. Mas e o meu coração? Este, nunca se esqueceu de todos os momentos felizes que sentimos. Momentos em que eu pude tocar naquela pele morena, naqueles cabelos revoltos e leves como seda.
Minha mente e meu coração estavam em uma queda de braço interminável. Até aquele momento, antes de eu encontrá-lo novamente, tanto fazia pra mim manter contato ou não. Agora, cada palavra que eu disesse, sentia que era importante ao ponto de fazer toda a diferença na vida de ambos."

Eu senti o corpo dela me puxar para mais perto ainda. Como um ima tras para sí o parafuso solto no chão. Mas eu não podia. Não podia me aproximar mais. Algo dentro de mim dizia que seria o ato mais imprudente. Não era tudo de bom como antes. Não era nada, não havia nada. Apenas dois corpos cansados pelas noites de sono que perderam, feridos por terem feito coisas que afetaram ao outro e duplamente a si mesmo.
Não resistiria ficar mais muito tempo por ali. Resolvi levantar. Já era a hora de partir. Já passara da hora de partir. Não houve momento, durante esse tempo todo em que longe ficamos um do outro, que eu não tenha me sentido mais infeliz. Ter que forjar uma naturalidade nas palavras, ter que fingir tudo o que eu sentia, tudo o que eu queria. Nem eu sabia mais o que queria.
Era perigoso. Não poderia ficar nem mais um segundo perto daquela detentora de todo o meu amor. Afinal, ela estava feliz! Ela estava vivendo, estava progredindo, estava recuperando sua vida de antes. Eu não queria atrapalhar, não podia atrapalhar. A observaria de longe, até vê-la se perder dentro de mim. Sofreria mudo, somente sorrindo.
Levantei-me. Aquele fora o último momento em que eu iria ver um par de olhos onde existe minha felicidade.

"De súbito, meu corpo gelou. Ele se fora e sequer olhara pra trás. Se houvesse no mundo uma pessoa mais infeliz do que eu naquele instante, esta seria ele. Eu sentia, sabia, estranhamente. Mesmo após tanto tempo, eu sabia reconhecer cada gesto. Estava infeliz. Tanto quanto eu estava. Mas eu o entendia. Sim, o entendia. Com uma claridade tão imensa que não poderia deixá-lo partir, supostamente para sempre, sem dar-lhe um último afago. Não era o mínimo que eu queria fazer, mas o máximo que meu coração permitia diante da minha razão orgulhosa e impenetrável.
Ao quase perdê-lo de vista no horizonte, eu gritei o seu nome. Tenho certeza que aquele grito ecoou durante longos minutos nos ouvidos de sua alma. Ele parou e se virou no instante seguinte. Seus olhos haviam perdido aquele brilho. O amor estava me deixando. Era preciso, era necessário. Não poderiamos mais ficar juntos. Não suportaríamos mais ficar separados.
Inventei qualquer desculpa para me aproximar dele. Pedi-lhe mais um cigarro. Ele me deu e, novamente se virou. Deu, então um passo curto em direção ao adeus. Passo esse que parecia nunca alcançar o chão."

Virar as costas naquele momento foi a coisa mais difícil que eu já havia feito na vida. Ter que partir, querendo ficar, mas não podendo, por saber que minha presença naquele local só a faria mal. E eu me sentia mal. Por querer muito fazer alguém feliz e ser impedido pela pureza, pela ingenuidade e pela cegueira que causa o amor.
Desgraçei-me por todos os meus pecados. Joguei pragas terríveis em mim mesmo. Vendi minha alma em troca da felicidade da única pessoa que eu me importava. Uma atitude desesperada, mas que me faria digno de algo ao menos uma vez na vida. Gostaria de ser esquecido, de vê-la continuando sem mim. Mas eu marquei, sim, marquei. Da pior maneira. Com o sofrimento que eu causei.
O primeiro passo, após me virar, foi interrompido por duas mãos que eu conhecia muito bem segurando o meu braço. Seguiu-se, então, uma voz doce e fúnebre:
 - Você está bem?

" - Não! - Exclamou ele, com a mais triste das vozes.
Jamais desejei isso. Sempre desejei somente sua felicidade. Apesar de tudo, jamais deixei de pensar nele um instante sequer. Ele marcou a minha vida, de fato. Da melhor maneira possível: Entregando todo o amor que ele poderia ter por alguém. Eu me culpava, entretanto, por não ser digna de todo esse sentimento. Não poderia mais manter aquilo, mas também não podia abandonar, não queria.
Eu disse pra ele que não poderia mentir e que também estava muito infeliz. Meu coração fez uma força um pouco mais intensa e eu não resisti ao dar-lhe um abraço. E ele retribuiu com o calor mais intenso que poderia haver. Ali estavam as algas gêmeas unidas, mesmo em corpos distintos. Mesmo que por uma última vez."


Não posso descrever o que houve naquele momento. Mais do que um simples abraço, mais do que qualquer palavra solta dita ali. Mais do que qualquer coisa. Qualquer desejo, qualquer vontade. Estavam presentes duas pessoas que se amam verdadeiramente e estão certas disto, mesmo duvidando por muito. Duas pessoas que, de certa forma, não podem viver longe uma da outra, mas que também não está viável viver próximas. É tão simples e pequeno! Tão complexo, no entanto! Não há argumentos, não há como descrever. Simplesmente é.
E, diante daquele abraço, o passado e o futuro passaram a não se importar. Nem o que aconteceu e nem o que viria a acontecer. Somente aquele instante era valido. Nada mais. Nenhuma coisa além. O momento onde o fim e o início se cruzavam.

"Não posso descrever o que houve naquele momento. Foi como se, por um instante, eu me sentisse novamente segura. Momento onde minha mente havia adormecido e se esquecido de todo o mal que ele me causara. Onde passado e futuro passaram a não se importar. Só aquele momento. Só o presente. Pois não exista passado, nem conseguia ver futuro. Não sei o que fariamos dalí por diante. Sabia, todavia, que não podia mais perder aquele abraço. Mesmo tendo que perdê-lo."


e agora?

"Agora? Fecharei os meus olhos. Observarei a briga entre minha razão e orgulho com todos os meus sentimentos. Serei levada, entretanto, para o mesmo lado que ele escolher. Não serei capaz de tomar sozinha uma decisão que envolvem duas pessoas."

Se há uma coisa que eu aprendi, é que existe o amor. Sim, ele existe. Pois mesmo após de todos os atos tolos que antes cometemos, todas as brigas e todas as feridas, ainda existem coisas que permaneceram e permanecerão intactas. Por mais que ela possa negar, eu conheco-a. Sei o que pensa, sei o que vai dizer, sei o que vai fazer. Sei de tudo da vida dela. Assim como ela sabe de tudo. Assim como, por mais distantes que possamos estar, estaremos sempre perto um do outro. Sempre dentro um do outro.





Pense o que você quiser. (Y)

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