sábado, março 24

Reflexos e reflexões II

Cheguei longe. Fui até onde muitas pessoas duvidavam que eu pudesse chegar. Estiquei o braço e consegui pegar com mãos mais firmes. Foquei os olhos e enxerguei além. Fim da linha. Última parada até a próxima grande aventura. A bagagem abarrotada de lembranças do passado e a mente carregada de pensamentos e sentimentos. Confesso que ficou pesado pôr nas costas tantos fardos.  Assumo que não consegui sustentar essa quantidade enorme de passado. Fraquejei.
Voltei.
Não aguentava mais esperar o trem que me levava para frente e retornei. Peguei o sentido oposto, mais uma vez, contrariando a todas as minhas formas lógicas de pensar. Retornei, pois senti saudades e, acima de tudo, porque eu não sei mais quem eu sou. Sinto-me como um vaso de cerâmica. Rústico, duro. Quebradiço e vazio. Fui deixando tanto de mim pelo caminho, para tantas pessoas, que hoje eu nem sei mais onde eu deixei o que. Não há como mais me resgatar, mas mesmo assim retornei. E quando vi meu reflexo naquele espelho redondo, na parede oposta ao armário branco que compõe o quarto onde há uma janela com vista para o infinito, percebi que não era mais eu que estava ali a me observar. Sou um ser desfigurado, incompleto, pequeno, medíocre e frágil. Sou o reflexo da derrota, da incapacidade.
Tudo porque descobri que não é tão fácil viver como se parece.
No último reflexo que vi diante daquele espelho, a pessoa cuja imagem era refletida detinha uma força e auto-estima incomum. Alguém que não acreditava que pudesse existir o impossível. Entretanto, bastou sair daquela casa verde e descer a rua, virar a esquina e pegar o primeiro trem que surgisse na estação para perceber que as coisas mudam sempre e nada que possa acontecer vai alterar o que é para ser. “Se eu olhar pra trás agora, não verei mais nada”. E essa recusa, esse medo, tornava aquela imagem antiga viril e indestrutível. Um passo a frente faz com que sejam descobertos mundos novos e completamente diferentes. Contudo, como alguém que aprendeu que o impossível ainda estava por vir e que tudo o que outrora era improvável, sempre fora, na verdade, fácil em demasia?
Como há muito não fazia, eu chorei.
Sozinho, sentado dentro da cabine, olhando para o horizonte de nuvens e um sol envergonhado. Neste dia nem o céu chorou comigo. Neste dia a solidão fora a minha única companhia, meu simples e pequeno alento. E no caminho de volta pra casa, antes mesmo de não me enxergar mais, eu já sentia que tinha me perdido de vez. Não encontrei mais ninguém que deixei partes de mim. Todos se foram. Não tinha mesmo nada atrás de mim.
Quando subi o morro, morto de vontade de me reencontrar, percebi que minha casa já não era mais verde, era amarela. Que minha casa já não era mais minha, era de alguém.
Um alguém que eu olho a imagem refletida no espelho e não reconheço.



Pense o que você quiser. (Y)

0 comentários:


Blogger Layouts by Isnaini Dot Com. Powered by Blogger and Supported by ArchiThings.Com - House for sale